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quarta-feira, 20 de junho de 2012

River Phoenix e Federico Fellini: Dando Sentido à Tristeza/1993

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Embora os contrastes de suas mortes sejam consideráveis, Federico Fellini e River Phoenix tiveram um elo em comum - eles tocaram nossas vidas reais e no cinema.

Por Kenneth Turan,


A morte deveria ser o grande equalizador, mas isso nunca é verdade. A morte é aleatória, caprichosa, despreocupada, uma jogadora flagrante de favoritos. Ela guarda seu próprio aviso, tanto melhor ao chocar profundamente por suas ações.

Sob quaisquer circunstâncias, a morte repentina de um ator tão talentoso quanto River Phoenix, aos 23 anos, mais jovem ainda do que James Dean, causaria confusão, mas ele morrer no mesmo dia que o venerável virtuose de
73 anos, Federico Fellini, é especialmente perturbador.

Embora em uma cultura obcecada por celebridades nós tenhamos a tendência a prestar muita atenção às mortes dos famosos, mas não o bastante para os que a mídia considera indignos, essa coincidência é muito macabra para ser ignorada, do avesso demais para ser descartada. Como um falante de uma língua desconhecida que se esforça para entender, este par de mortes parece estar nos dizendo algo que não conseguimos ouvir completamente.

Certamente, as ironias da situação são consideráveis. Aqui está Fellini, o iconoclasta, o disjuntor de fronteiras, o mestre do excesso, morrendo eminentemente respeitável em uma idade madura e com aviso prévio do fim iminente o suficiente para permitir que todas as grandes empresas tivessem tempo de sobra para preparar as homenagens que ele merece, sem dúvida, .

Então, há River Phoenix, cuja história é diferente em quase todos os aspectos, exceto no talento. Sua morte não poderia ter sido prevista por ninguém. Um ator, cujo papel na tela sempre reflete o tipo de decência inata que nem o dinheiro nem publicidade podem comprar, ele desmaiou saída de uma boate em West Hollywood. Ele pode muito bem ter ficado tão chocado como a morte quanto o agonizante Edward G. Robinson, que disse no final de Little Caesar, "Mãe de Deus, esse é o fim de Rico?"

Fellini, ao contrário, como seus cinco Oscars (incluindo um honorário, este ano) testemunham, não teve uma carreira brilhante, mas várias. Ele começou no neo-realismo e até mesmo fez maravilhosas mas quase esquecidas comédias como The White Sheik, sobre uma mulher que se apaixona pela estrela de uma tira de ação em quadrinhos, que mantém uma vivacidade de espírito até hoje.

Então veio as peças de sua assinatura - La Strada, La Dolce Vita, 8 1/2 - obras que ampliaram a idéia de mundo mais do que um filme poderia fazer. E depois de anos de andanças nos jardins do excesso miserável exemplificado por Satyricon e Roma, numa viagem talvez tornada inevitável, o diretor voltou a fazer outra curva. Ele pensou mais uma vez em sua infância e com  Amarcord  fez
um dos mais exatos e preciosos filmes de memória.

E ao contrário de tantos diretores, especialmente neste país, Fellini nunca  teve de se aposentar por causa da idade avançada, nunca teve de se contentar com uma vida de homenagens em festival e adoração de autores de monografias reverentes. Ele trabalhou quase até ao final, e se ele não chegou a ter a satisfação que Mark Twain tinha de, literalmente, ler seus próprios obituários, ele chegou perto. Embora seja inevitavelmente triste quando um criador vital como este morre, se alguma vez houve um homem que não foi enganado, seja pela vida, seja pela morte, Fellini foi um deles.

A morte de River Phoenix, ao contrário, nos faz sentir terrivelmente enganados, desprovidos do tipo de performances luminosas que ele certamente teria nos dado se tivesse vivido. Não sendo nunca um membro do Brat Pack, sem vontade de ter uma vida privada muito divulgada, ele foi, sem dúvida, o melhor ator de sua geração, alguém que nunca caminhou pela tela sem tocar o coração de uma platéia.

Em 1985, como repórter trabalhando num perfil de Harrison Ford para uma revista, eu encontrei Phoenix pela primeira e única vez no set de A Costa do Mosquito. Embora eu estivesse fascinado por seu passado, por seus pais não convencionais que tinham chamado seus filhos de Leaf, Rain, Liberty e Summer, eu estava mais tomado por este notável menino de 14 anos de idade, ao mesmo tempo animado e sério e sem um traço de pose ou condescendência.

Foi esse tipo de honestidade, esta capacidade e vontade para ir atrás da verdade emocional que marcou todos os papéis da Phoenix. Ele parecia não escolher suas peças pelo flash ou pelo avanço na carreira, mas porque lhe permitia expandir suas explorações do comportamento humano, mesmo que, como em Uma Noite na Vida de Jimmy Reardon e Dogfight, eles acabassem por ser filmes demasiado idiossincráticos para atrair um grande público.

Phoenix, é claro, apareceu na bilheteria de potências que vão de Stand by Me até Sneakers, e em grandes sucessos de crítica como My Own Private Idaho. Seu melhor desempenho, no entanto, continua a ser aquele pelo qual ele foi indicado a um Oscar, como um filho de fugitivos políticos radicais em O Peso de Um Passado. Pensar em seu trabalho lá, especialmente nas suas cenas emocionais com Martha Plimpton, e saber que isso é  tudo que vamos ter é o bastante para fazer você chorar.

Uma razão pela qual nós, enquanto sociedade, fazemos tanto alarde sobre os atores e cineastas quando eles morrem é que, enquanto eles estavam vivos, nós os usamos em algum nível para dar sentido às nossas vidas, para nos ajudar através do trabalho que fazem na tela a lançar alguma luz sobre as lutas que todos nós enfrentamos.

E, ao morrer em uma tal combinação quase
perversa, Federico Fellini e River Phoenix desempenharam essa função na morte assim como na vida. Eles nos lembram que, embora possamos pensar em nossos dias como uma caminhada por uma estrada larga, estamos realmente nos movendo na beira de um abismo íngreme, cuja existência a maioria se recusa a reconhecer. Dois homens bem diferentes caíram do penhasco, ontem, e nossas vidas reais e nossas vidas no cinema não poderão jamais ser as mesmas.


Fonte: Times, em 1º de novembro de 1993

18 comentários:

  1. Toda vez que uma pessoa jovem morre eu fico realmente muito triste e me pergunto como seria se estivesse vivo, porque a morte é sempre triste, mas com um jovem é pior porque teria uma vida toda pela frente-é o que eu penso. E com o River não é diferente, sempre fico imaginando como seria esse homem, hoje com 41 anos.Se ele teria casado jovem, casado tarde(como o johnny Depp), se seria um solteirão(como o Keanu Reeves), como seria fisicamente, os papeis que ele poderia ter interpretado, se teria ganhado um oscar...Nossa, é muito triste mesmo pensar nisso, tão novinho...Tanto acontecimento no mundo que ele perdeu...

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    1. Eu penso ao contrário... a morte choca,mas é algo certo. Não acho que tenha uma idade para morrer. As pessoas 'vivem tempo suficiente para marcarem nossas vidas'. Creio que deveriamos pensar mais no quanto foi bom enquanto estiveram vivos, no caso do River,o quanto ele se empenhou pelo planeta,o quanto transmitiu para nós,e como foi bom ele 'passar por aqui'.Como no Conta Comigo, Chris Chambers diz algo como 'o que você e ele fizeram ninguém pode mudar'. O que River fez ninguém pode mudar,o que ele impactou ficará para sempre.O que os fãs faziam para ele e a dedicação que tinham ninguém pode mudar...
      É triste,é chocante,mas não tem como imaginar algo que não foi e nunca será,porque não teria a possibilidade de que 'tivesse sido',o fato de ele viver mais tempo,ser mais velho,casar...

      Ele foi o que pode fazer da vida,e fez mais que muita gente.E isso o que importa.'Cada um leva da vida o que pode',e River levou muita coisa,mas deixou também,e coisas boas.Que bom que pode e escolheu compartilhar o talento e as ideias dele!

      A saudade é algo bom,é sinal de que ele foi alguém especial;e acho que o que podemos fazer agora, e depois de tantos anos,quando se pode refletir,e pensar em quanto foi bom ele existir.A morte revela nossos sentimentos mais egoistas,pois geralmente ficamos tristes pois não saberemos como iremos NOS sentir,a falta da pessoa doi para nós,e não queremos sentir essa dor,não queremos nos machucar. Ficamos tristes pois não teremos a expectativa do retorno que essa pessoa dava em nossas vidas.Mas devemos pensar mais na forma da pessoa que morreu,pois a morte para quem morre não doi;afinal, o que importa foi o que voce fez em vida.E felizmente ele viveu de forma plena.

      Não poder aproveitar ou viver mais é algo relativo,pois sempre que se morre você poderia viver um tempo a mais (mesmo que com 130 anos...).Não é possivel estar em dois lugares ao mesmo tempo, uma escolha anula outra possibilidade, você faz/deixa de fazer algo e perde outro.A vida é uma sucessão de perdas e ganhos ou escolhas certas e erradas.Mas todos temos limites,inclusive para a vida,apenas temos que compreender.

      Claro que ele não queria morrer,ele poderia viver mais. Mas poderia ter vivido menos,poderia ter morrido na mesma idade de outra forma...quem sabe?É algo tão fora do nosso alcance,mas tão certo, que não temos muita opção de bater no mesmo lugar.Assim o mundo não evolui,ficamos remoendo mágoas...

      No caso dele,infelizmente o mundo foi muito perverso apos a morte dele.Mas acho que hoje isso pode mudar,a ideia positiva do River pode renascer,e cabe a nos,fãs,retribuir o que ele nos deu.Como o blog da Femme,os comentários,campanhas, espalhar essa ideia,talvez e uma forma de dar mais vida a River, ou seja, eternizar o que ele deixou,e o que é bom :).

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  2. Este texto me emocionou até às lágrimas, porque retratou exatamente como eu me senti sobre River. O seu talento e delicadeza de alma me ajudavam a viver e compreender a vida. E isso nunca é fácil e nunca termina.

    No dia anterior à morte de River, eu fui muito feliz. Mas voltando pra casa, eu me deparei com um pôr-do-sol incrível e me perguntei como seriam os anos seguintes, se essa felicidade e paz ainda existiriam.

    Então, um pensamento acalentou meu coração: o que quer que viesse a acontecer, eu tinha um trunfo nas mãos. River era meu trunfo secreto. Eu sempre seria um pouquinho mais feliz do que o possível em qualquer circunstância, porque eu sempre teria River, seus novos filmes, suas novas entrevistas, seus novos planos, seu olhar renovado e rico sobre a vida.

    No dia seguinte, River morreu e eu fui lançada numa viagem sem escalas ao inferno. O autor tem toda razão: a vida é mesmo vivida à beira de um abismo.

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    1. O texto é muito bom, com certeza;acho que um dos que descreve de melhor forma sobre isso,e de forma mais poetica e sincera.Acho que como ele mereceria, pois River é pura poesia :)!

      A vida é vivida à beira de um abismo,mas o caminho até ele é a gente que faz!

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    2. Você está certíssima, Maria. Racionalmente eu sei disso, e aplaudo isso.

      Mas, no meu coração, eu sinto falta de River como se ele fosse "de verdade", entende? Mesmo que ele fosse apenas uma idéia, um conceito, uma inspiração.

      Talvez seja diferente para quem já o conheceu depois de morto. Mas para quem viveu num mundo em que River Phoenix existia, essa equação nunca fecha, é injusta, às avessas, como diz o autor. Ele fazia parte de nosso futuro, não apenas do preente e do passado.

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    3. Oi Femme!

      Desculpa,não quis ser grosseira.Com certeza tem essa diferença, mas nós também temos uma tristeza, de nunca saber como ele 'era' e acompanhar sua mudança e evolução. Aquela coisa de esperar uma foto nova, uma entrevista do próximo filme...eu nunca vou saber como é. :(

      sei que é difícil,mas meu comentário foi apenas uma tentativa de mostrar outra forma de ver a tragédia que foi a morte dele... para que não fiquemos só sofrendo com isso,quando a lembrança dele vem a tona, mas para ficarmos felizes de saber que ele existiu. E você sabe que tem um trabalho muuito importante em eternizar o River...acho que um pouco do que é a existencia dele é graças aos fas como você,que eternizam isso :)...deixam que essa estrela nunca se apague e brilhe mais alto. Se hoje ela ainda existe é porque vocês a mantem iluminada :)

      beijos!

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    4. Ô, Maria, você não foi grosseira, não, fique tranquila. ;)

      Eu entendi sua intenção, e realmente concordo com esta visão. Eu fico feliz de contribuir para que sua memória não seja esquecida, e mais possam se sentir iluminados pela bela luz que ele emanava.

      Fico feliz de ter gente como você, que o conheceu depois, mas que tem orgulho de sair com River estampado na roupa, ajudando também a eternizá-lo! :))

      Beijos!

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  3. A parte estranha de tudo isso é que River Phoenix, TALVEZ, repito: TALVEZ, acharia meio "estúpido" e estranho pessoas se importarem tanto com ele e ficarem tristes sendo que só o conheciam através de filmes e da mídia. Ao meu ver ele nunca aceitou ser admirado.

    Mas a morte de um jovem de 23 anos, sendo River Phoenix ou não, sempre pega a gente de surpresa.

    "Vai com os anjos
    Vai em paz
    Era assim todo dia de tarde
    A descoberta da amizade
    Até a próxima vez
    É tão estranho, os bons morrem jovens
    Me lembro de você e de tanta gente que se foi cedo demais..."

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  4. Sim, Renan, River tinha mesmo a sabedoria de não se deixar seduzir por "River Phoenix", o personagem. Ele se via apenas como ser humano que, como ele mesmo disse a um jornalista, "todo dia tinha que se levantar e lutar para permanecer ele mesmo", para não ser seduzido pelos inúmeros elogios que recebia.

    Já vi inúmeros depoimentos de pessoas que ressaltam isso: River era um sábio, muito além de sua idade e de seu tempo.

    Mas eu não conheci River, o homem, eu conheço River, o artista genial, e este ultrapassou há muito o que o próprio River poderia controlar ou explicar. E esse "espírito", como o chamou Milton Nascimento, embora se confunda com o homem de carne e osso, está sempre mais além, ele é inalcançável e inapreensível.

    Agora, uma coisa que eu percebi: embora River não lidasse bem com elogios, nem soubesse o que fazer com eles, ele sabia perfeitamente do seu imenso talento, ele era seguro disso, e lapidava esta jóia rara dia após dia. Ele buscava a perfeição.

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  5. Rio da Lua,
    Mais largo que uma milha
    Eu o atravessarei
    Com elegância algum dia
    Oh, criador de sonhos
    Seu partidor de corações
    Onde quer que você vá
    Eu irei


    Dois nômades
    Saindo para ver o mundo
    Tem tanto do mundo para ver
    Nós estamos atrás
    Do mesmo fim do arco-íris
    Esperando fazer chuva
    Só meu doce amigo
    Rio da lua e eu

    Moon River (louis armstrong)

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  6. Femme, tem um vídeo no youtube do River(?) falando umas coisas bem engraçadas!Será que é ele mesmo?Olha ai o link: http://www.youtube.com/watch?v=S10iKHgIkzQ

    A voz é bem parecida; e o cabelo também...

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    1. Ah Femme, também tem esse que ele até dedica música pelo aniversário do pai dele, bem no começinho do vídeo!Só coisa rara!Foi tudo fornecido pelo Sky Phoenix!

      http://www.youtube.com/watch?v=BAuv5mBL-Uw&feature=channel&list=UL

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    2. MUito legal, mesmo! Depois eu ponho aqui. ;)

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    3. rsrs...O River só podia estar bêbado!Como assim "Thanks thigh master" ?

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  7. Que texto expressivo e significativo!

    Descreveu perfeitamente River em seu talento fascinante e sueu impacto sobre nós. Sua história nunca se apagará das mentes e corações daqueles que o conheceram e precisa ser recontada pra muitos que nunca tiveram o privilégio de conhecê-lo.

    River me emociona até hoje. E sempre será assim.

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  8. Não encontrei em lugar nenhum o filme My Own Private Idaho para download, mas achei ele completo em inglês sem legenda no youtube. Resolvi assistir assim mesmo. Achei incrível a atuação dele. Realmente Femme, a atuação dele não mudou nada!
    Ele era ótimo no trabalho aos 14 anos e continuou o mesmo depois dos 20!
    O personagem ficou totalmente original e parecia mesmo que ele tinha aquela doença de tão bem interpretado que ficou.

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  9. Renan,

    River é mesmo ator extraordinário, não é? Não adianta, nenhum ator no mundo consegue me deixar hipnotizada como ele, seus personagens parecem mais "verdadeiros", mais "autênticos" que muita gente real que eu conheço! ..rs..

    É como aquela velha música: "Depois de você, os outros são os outros e só..."

    Os outros que me perdoem, mas River é THE BEST!

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  10. O texto é tocante.
    O Turan expressou bem e ele escreveu no dia seguinte da morte de ambos.
    Acho que o Riv é único, a forma como ele conduziu a vida, as lições que ele deixou, nunca vi nada igual.

    Obrigada Femme =)

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