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"We're Living In Our Own Private Idaho..." (The B-52)
O caminho para a alegre saga da alienação e alucinação de Idaho começou há 10 anos. De acordo com Van Sant, ele encontrou inspiração para o roteiro não apenas em Shakespeare, mas também de obras tão improváveis da grande literatura como Silas Marner, Satyricon e vários pedaços de romances de Charles Dickens. "Quando você não tem quaisquer idéias, rouba os clássicos", aconselha o diretor, explicando por que primeiro decidiu se apropriar do conto do príncipe Hal como base para My Own Private Idaho. Muitas versões desta história mais tarde (em um momento o script foi chamado de "Servos da Lua" - uma frase diretamente retirada de Shakespeare), Van Sant combinou com uma contrapartida, o conto de um amigo de Scott, Mike, que está à procura da família, assim como Scott está fugindo de uma. O projeto passou a ser chamado My Own Private Idaho, após Van Sant ter ido para aquele estado no início dos anos 80 e (diz ele) todo mundo lá estava cantando a música do B-52. Mas esta é uma simplificação exagerada por um homem que usa tais caprichos verbais educadamente para evitar discutir mais profundamente as razões e os significados em sua obra.
Até Drugstore Cowboy começar a fazer sua varredura nos supermercado dos críticos de cinema, no entanto, ninguém queria financiar o épico de rua de Shakespeare de Van Sant. E mesmo assim, aqueles que venceram o caminho até sua porta queriam que ele fizesse as suas filmagens, não a dele. Laurie Parker, cuja relação com o diretor começou quando ela trabalhava em Drugstore como produtora para Avenue Entertainment, e que agora é produtora Private Idaho, lembra que "Depois de Drugstore, foram oferecidos vários de projetos de alto orçamento, com grandes estrelas de cinema - todos eles filmes de estúdio - mas Gus só queria fazer este filme."
É uma outra noite, menos alegre, nas locações de Private Idaho. Trancado em um trailer no centro de Portland, Keanu Reeves está nervosamente aguardando a sua chamada para o set de Private Idaho. Ele está sentado, meditando no espaço apertado que esta produção de baixo orçamento chama de camarim, a noite fria e chuvosa lá fora combinando com o humor que ele está no momento. A cena que ele está prestes a filmar, um clímax em que seu personagem abandona Bob Pigeon (interpretado pelo diretor William Richert) e a turma desorganizada de garotos de rua da qual ele tem sido um membro, parece ser uma fonte de sua ira. Mas há outras coisas que estão afetando os nervos do ator 26 anos: Reeves normalmente desempenha tipos patetas, adoráveis, mas seu personagem em Private Idaho é um prostituto calculista em operacão no mundo sórdido da rua. "É um desafio", diz o ator, "na medida em que há uma parte que precisa ..." A voz de Reeves some e ele fixa o entrevistador com um olhar impotente.
Ele se sai melhor sobre o tema da sua colaboração com Van Sant. "Gus é realmente incrível de trabalhar", aqui, novamente ele começa a perder força, "... sem julgamento ... legal." Mas as coisas vão de vagas para quase violentas na próxima pergunta. Reeves, que na noite anterior foi visto gritando com cara de nojo quando ele acidentalmente folheou uma das revistas masculinas reais usadas como adereços na filmagem da conversa das revista-pornôs, agora dá voltas quando questionado sobre como ele se preparou para seu papel de prostituto. "Eu não tive que chupar pau, se é isso que você quer dizer!" Fim da entrevista.
Van Sant pensa que suas estrelas estão lidando com o assunto muito bem. Lembrando que ele não acha que os personagens são realmente gays ("Eles são o que são prostitutos de rua"), ele acrescenta que para Phoenix e Reeves, "É um ato político fazer um filme como este. Eles estão lidando muito bem por serem, obviamente, heterossexuais."
O jovem elenco masculino de Private Idaho se empenhou para pesquisar o meio sombrio da prostituição de rua por várias semanas antes das filmagens começarem. "Passei algumas horas na rua, em Portland, entre oito da noite e quatro da manhã", diz Phoenix.
Sob a orientação de vários amigos de rua da vida real do próprio Van Sant (o diretor não faz segredo de sua própria homossexualidade ou o seu interesse na difícil e sábia cena de rua homossexual romantizada nas obras de John Rechy, Jean Genet e William Burroughs), Phoenix, Keanu Reeves, e seu colega do elenco de Idaho, Rodney Harvey aprenderam a detectar potenciais clientes cruzando em carros pelas ruas do espalhafatoso distrito de Old Town em Portland e o que dizer depois que os estranhos paravam para chegar a um acordo. Phoenix recorda, "O próximo passo seria simplesmente abrir a porta e chegar dentro. Esse momento é quando nós dizíamos a eles para ir se foder." Mais de um dos johns rejeitados, depois de chegar tão perto de pegar os meninos que possuíam essas semelhanças surpreendentes com River Phoenix e Keanu Reeves, considerou a rejeição extremamente difícil de aceitar. Phoenix recorda um homem que ficava simplesmente circulando no quarteirão, gritando: "Mas eu estou tão só!" após a decepção.
Uma tarde, em um intervalo da gravação, Flea está falando sobre a diferença entre Van Sant e outros diretores. "Quando eu estava trabalhando com Zemeckis [o diretor do filme De Volta Para o Futuro], diz ele, "a única coisa que você poderia dizer a ele era: 'O meu cabelo moicano está pintado na cor certa?'" Mas o roqueiro, cuja cabeça foi raspada rente ao crânio e branqueado num tom brutal de loiro, afirma que com Van Sant a entrada de um ator pode ir mais além. Por exemplo: "Você pode dizer a Gus, 'Que tal arrancar todas as minhas roupas e pular em cima do túmulo?'e Gus vai dizer, 'Sim, isso é ótimo!"
"O estilo disto é não impor limitações", Van Sant aponta. Esta abordagem de livre formato à arte do cinema, frequentemente seguida à risca, tem permitido aos atores criarem suas próprias falas ou ações, que depois foram executados por Van Sant com a sua aprovação, tais como o não planejado striptease de Flea sobre uma sepultura. Isto também significa que a composição de cada plano é mais ou menos decidido na locação. Diz Van Sant, "Da forma como eu estou trabalhando, eu decido isso quando eu chegar lá. A storyboard seria realmente uma imposição. Para fazer isso, você sempre tem que saber que quando um personagem entra em uma sala, ele tem de virar à direita, caminhar até a janela e depois sair pela porta, certo? Mas o ator não pode correr para o quarto, rodar em círculo três vezes e saltar para fora pela janela porque "isso não está no storyboard."
Prendendo Private Idaho, as peculiaridades visuais penetram em todas as facetas da história. Sempre que o personagem de Phoenix sofre um episódio narcoléptico, a ação torna-se repleta de visões fantasiadas e os locais se deslocam abruptamente. "Todo mundo na equipe teve que aceitar que nós estamos fazendo esse filme um pouco diferente da forma tradicional", diz Eric Edwards, um dos dois diretores de fotografia de Idaho. Ele descreve o trabalho com Van Sant como uma forma de "desaprendizado", através do qual os cineastas abandonam os métodos aceitos de fazer as coisas por um novo ponto de vista. Edwards promete que o corte brusco do filme de um lugar ou ação para o outro - para retratar a experiência narcoléptica - vai reinventar este estilo de edição, por muito tempo considerado uma maldição por quase toda a maioria dos cineastas de vanguarda. "Cortes de salto aqui são enredo", diz ele.
Continua...
Fonte: American's Film (US), setembro/outubro de 1991