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domingo, 9 de novembro de 2014

"Minha Relação de Amor X Ódio com River Phoenix": Pop Matters/2009 [Parte 1]

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Por Kellie M. Walsh, em 21 de setembro de 2009



River Phoenix era um ator.

As pessoas não falam muito sobre ele mais. Seu nome aparece principalmente quando alguém morre jovem e bonito. Nos dias de hoje, ele é famoso principalmente por morrer.

River Phoenix, no entanto, foi um ator, também. Em 1993, ele morreu, mas apenas sete anos antes, com a idade de 16 anos, ele chamou a atenção do mundo.

Era o verão de 1986. A Estátua da Liberdade tinha reaberto após dois anos e milhões gastos em reformas. Ronald Reagan estava em seu segundo mandato como presidente. The Monkees estavam de volta; The Police tinha acabado; "How Will I Know", "Sledgehammer" e "You Give Love a Bad Name" eram populares no rádio. O caso Irã-Contra estava em pleno andamento, embora nenhum de nós soubesse disso ainda.

Eu tinha 11 anos na época.

Um passatempo favorito daquela época era folhear revistas coloridas para adolescentes, revistas com nomes descritivos como Tiger 
Beat, Bop e (o meu favorito) Wow. Era a época dos filmes de John Hughes e da Brat Pack, e centímetros de coluna eram monopolizadas por caras como Rob Lowe, Judd Nelson, Demi Moore e Andrew McCarthy.

Mas, por mais legais que esses atores fossem - com o cabelo macio, ombreiras, e estilos de viciados - eram difíceis para garotos da minha idade se identificar. Os Brat Packers nasceram nos anos 50 e 60; os personagens que interpretavam eram garotos no final da adolescência. Eu entendia seus males eternos de confusão, a feiúra e a impopularidade, mas eu nunca tinha ido para o colegial ou me preocupado com um vestido de baile ou vivido como um yuppie pós-Georgetown. Talvez eu tenha ganhado de uma Molly Ringwald de
18 anos no domínio do copo, mas ela tinha me vencido em experiência de vida. 

Então, em agosto de 1986, um filme de Rob Reiner foi lançado. Intitulado Stand By Me, o filme acompanhava quatro meninos de 12 anos de idade nos anos 50, enquanto eles viajavam a pé para encontrar o corpo de um menino desaparecido. O filme era nostálgico. Sentimental. Melodramático. Saciante.

Eu me apaixonei instantaneamente.


 
Logo os jovens rostos das estrelas do filme começaram a aparecer na TV e nas capas de revistas. Com idade variando de 12 a quase 16 anos, os atores d
o elenco de Stand by Me eram mais acessíveis, os rostos e as experiências, tanto na tela quanto fora dela, mais familiares do que os seus antecessores de cabelos macios. O mais velho das quatro estrelas até tinha um nariz arrebitado, pontudo, que às vezes me lembrava do meu próprio: um adolescente de 16 anos chamado River Phoenix. 

Desde o momento em que ele apareceu na tela no filme - com um cigarro equilibrado entre os dedos e o corte de cabelo de um homenzinho - a mídia o tachou como o James Dean dos anos 80. Ele era bonito e comercial,  com um rosto suave, não ameaçador, cabelos loiros, e penetrantes olhos azuis claros, e ele já tinha mais de atuação do que as estrelas 15 anos mais velhas do Brat Pack. Ele era uma bola de gude azul brilhante em um saco de pedras, e todo mundo o amou.

Ele me dava nos nervos.

Ele era muito bonito. Muito popular. Seu cabelo, demasiado perfeito. Muitas pessoas o amavam, e elas o amava muito.

E eu nunca tive isso como meu nariz, pontudo, arrebitado.


Vários jornalistas foram tão seduzidos por suas maneiras polidas e delicadas que seus artigos pareciam anotações de diário. O primogênito de uma ninhada nascida de missionários itinerantes, Phoenix foi apresentado como aquele garoto hippie sensível, com aquele nome hippie poético daquela família-tribo ligada à terra. Ele nasceu sob uma salva de palmas no Oregon; ele distribuía bênçãos e flores para os passantes quando criança na América do Sul. Ele era um ambientalista antes que reciclar fosse comum, um vegan antes do vegetarianismo ser de praxe. Ao falar sobre si mesmo, ele cobria o rosto e evitava seus olhos, mas quando se falava sobre suas crenças, sua voz perdia o tremor, seu corpo, o desleixo. Muito antes que alguém ouvisse falar de Leonardo DiCaprio, Angelina Jolie ou Moby, Phoenix estava fazendo manchetes como o novo talento refrescante que era pró-terra, pró-animal, pró-humano, pró-floresta, pró-coisas boas, anti-coisas ruins, e pró-paz, amor e compreensão.
 
Eu não engoli isso. Ninguém podia ser tão perfeito. Ninguém podia ser tão virtuoso. Ninguém podia ser tão saudável, especialmente não aos 16 anos. Não importava que eu concordasse com muito do que ele dizia. Você simplesmente não podia abrir uma revista sem ser confrontado por aquele cavaleiro de cabelos claros empunhando tofu e um encanto de menino. Até mesmo seu olho preguiçoso foi, de alguma forma, vendido como sexy. A mídia tinha ele a um passo de derrubar cerejeiras com um banjo em seu joelho, e quanto mais páginas elas dedicavam a Phoenix, menor a chance para os desajeitados meninos fazerem o meu coração adolescente palpitar. Eu o odiava por isso.



Mas, como o Washington Post apontou, Phoenix era o "centro de gravidade" do filme de Reiner que eu guardei tão bem. Sem ele, Stand by Me teria entrado em colapso pelo seu próprio peso. Phoenix tinha uma qualidade que atraia a sua atenção, e, embora ele não pudesse interpretar felicidade ou rir de forma convincente, ele tinha um naturalismo cru bem versado para retratar a dor. Na cena da fogueira em que seu personagem do menino durão finalmente se quebra, você quase o vê entrar em colapso sob a pressão de sua reputação. Quantas vezes como criança eu expressei esse desespero para manter o anonimato por trás de portas fechadas?

Quantas vezes como adulto?
 

 
John Willis listou Phoenix em "Screen World" como um dos doze promissores novos atores de 1986, e com razão: ele era bom. Eu sabia que ele era bom. Eu sabia que ele era inteligente. Eu sabia que ele era interessante e atraente e positivo. Eu sabia que eu concordava com ele. Eu só não gostava dele.

No verão de 1988, eu tinha mudado das
doces e coloridas revistas de adolescentes para as negras e temperamentais revistas de metal , mas quando eu vi os comerciais para Uma Noite na Vida de Jimmy Reardon, senti-me vingada; lá, em toda a sua glória adolescente mercenária, estava a prova de que esse garoto, anti-Hollywood, de espírito indie, contracultural, não era nada mais do que um típico menino de ouro de Hollywood, apenas mais um garoto branco privilegiado. Não importava que eu mesma fosse uma criança branca privilegiada. River Phoenix era uma farsa; Jimmy Reardon provava isso. 

Eu não sabia na época que Jimmy Reardon tinha constrangido Phoenix. Eu não sabia que a sua renda no filme deu à família Phoenix a sua primeira dose real da segurança financeira, provavelmente, de toda a vida de River Phoenix. Eu não sabia que ele era o principal, se não o único, ganha-pão da sua família de sete, ou que ele tinha crescido literalmente cantando pelo seu jantar, lutando pela mudança com uma guitarra e um sorriso nas ruas de Caracas com a idade de cinco anos, para que sua família pudesse comer.

Eu não sabia que, dentro de muitos desses artigos que eu há muito tempo tinha me recusado a ler, Phoenix expressou descontentamento com a forma como ele era retratado na mídia. Tudo que eu sabia era o que eu havia pegado das manchetes e citações soltas. De acordo com a imagem que eu tinha na minha cabeça, Phoenix era um hipócrita.

(Continua...)


Fonte: Pop Matters, em setembro de 2009
 

10 comentários:

  1. O descobrimento de River, aos poucos.

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    1. Oi, Ana Paula

      Tive essa mesma impressão: River foi se revelando pra ela aos poucos, e de forma surpreendente...

      Beijos.

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  2. Muito legal essa matéria Femme!! Anciosa para a próxima parte! :D

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    1. Oi, Leiah!

      Uma forma bem diferente de olhar para River, né? Sem deslumbramentos, com desconfiança, lentamente reconhecendo suas qualidades...

      A 2ª parte já está chegando!...rs...

      Beijos.

      Beijos.

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  3. Oi Femme !! Adorei essa matéria tbm, e eu entendi o ponto de vista da autora, mas sabe nunca pensei no River assim... Como um hipócrita... Talvez porque hoje tenho mais acessos a matérias com a Internet , não sei , mas é uma pena a forma como a mídia o trata :( Ele é como a autora falou " Famoso por morrer"... Estou curiosa pra saber o final ... !!! ;)
    Beijos !

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    1. Oi, Clarice!

      É curioso ver alguém descrever River de forma tão próxima ao que eu mesma descreveria, na época, e, surpreendentemente, vê-la chegar à conclusão oposta a minha! River era "perfeito" (no meu conceito de perfeição, claro), ele encarnava tudo o que eu mais amava no mundo, a generosidade, a vulnerabilidade, o talento, a doação, enfim, eu acreditei nele sem hesitação e o amei incondicionalmente. E pra mim, ele nunca mudou.

      Na verdade, na época ninguém o considerava um hipócrita, ela era uma exceção. Como ela mesma disse, ele era amado, e muito. Era incrível ver como River inspirava tanta gente, sei lá, ele simplesmente nos fazia "acreditar". Em quê? Não importa. A gente só queria que tudo o que ele desejasse se tornasse real. No fundo, amor é isso, né? ;)

      Posto já a segunda parte!

      Beijos.

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  4. Meu Deus como ele era lindo,era um verdadeiro anjo na terra, que rosto ! Sou totalmente alucinada nele, que tragedia que se abateu sobre esse menino, tao lindo e talentoso, A vida é tao cruel, tao injusta......Malditas drogas que ja levaram tanta gente boa embora..... Á morte é sempre cruel, nunca estamos preparados pra ela, mas quando ela atinge alguem tao jovem , na flor da idade, isso é muito mais doloroso, ele era um menino ainda, e como todo jovem acho que ele se achava meio invencivel, super poderoso, os jovens sempre pensam que nada irá acontecer de errado com eles, mas eles sao tao sucetiveis como qualquer pessoa ......

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    1. Oi, Anônimo

      Lindo demais, né? Por dentro e por fora. Um menino iluminado, talentoso, criativo, generoso, cheio de planos, e daí, no minuto seguinte, ele se vai. Ele parte, inesperadamente, e nos deixa sem chão, sem entender nada, sem conseguir aceitar e ainda assim, sem nenhuma saída. As palavras são tão pequenas pra descrever o que foi essa morte...

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  5. Este comentário foi removido pelo autor.

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  6. River era bom demais, uma dose de esperança no mundo em que vivemos. Uma injustiça lembrarem mais dele por sua ida e não sua luta, conquistas e caráter nobre. Ele se importava com coisas que aliás, só tomaram maior atenção nos dias de hoje.
    Gostei muito desse artigo, pois ele ressalta pontos necessários! E parabéns por sua dedicação, queria dizer que amo esse blog e tenho lido bastante por aqui! Conhecer a história do River me traz diversos sentimentos - apesar da dor por ele ter partido, a gratidão pela existência de um anjo como ele.
    Ele me inspira, me ensina e me ajuda a evoluir como pessoa. <3

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