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domingo, 9 de dezembro de 2012

"O Espírito do Silêncio": Rolling Stone/1994

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Por Peter Travers

Chega de ficar remoendo como River Phoenix, 23, teve uma overdose de cocaína e heroína no último Halloween fora da Viper Room, em Los Angeles Ou Phoenix é reduzido a um outro acidente com drogas para a multidão apenas-diga-não se esquivar mais, ou ele está romantizado em uma pin up do martírio - um James Dean dos anos 90. O talento e a memória de
Phoenix merecem melhor. Ele era um ator, um raro talento.
 
A prova disso pode ser encontrada em O Espírito do Silêncio, uma história assombrosa de amor, morte e vergonha no Velho Oeste. É o
penúltimo desempenho de Phoenix: o último filme que ele completou, de Peter Bogdanovich, o doce, mas bobo, The Thing Called Love, foi rapidamente para vídeo. O Espírito do Silêncio, uma desordem hipnotizante escrita e dirigida por Sam Shepard (não atuando neste momento), é um canto do cisne mais apropriado. Ele mostra Phoenix em seu melhor mais ambicioso.

O Espírito do Silêncio não é um grande filme, mas ele aspira a ser. Você pode sentir Shepard tentando cortar através das convenções e chegar a algo profundamente enraizado, vital e comovente. Phoenix teve a mesma luta pela qualidade. Desde a primeira impressão surpreendente que ele causou em 1986, como o menino durão em Stand by Me, de Rob Reiner, para seu retrato igualmente surpreendente de um prostituto, cinco anos depois em My Own Private Idaho, de Gus Van Sant, Phoenix teve cada papel como um trampolim para a verdade ao invés de para o estrelato.

Phoenix estava à frente de seus pares. Quando eles atuavam em westerns, os filmes eram em sua maioria produções de vaidade tipo Os Jovens Pistoleiros. Coube a Phoenix optar por Silent Tongue, um pedaço exigente da poesia limite de Shepard que evita a postura de menino bonito. A primeira visão de Phoenix vem como um choque. Em roupas sujas, com os lábios rachados e um olhar enlouquecido, ele se senta debaixo de uma árvore com um rifle, mantendo guarda para uma fogueira. Você pode ouvir as chamas crepitarem contra o ar frio. Vendo um pássaro em voo, ele atira nele, arranca suas penas e sobe na árvore onde ele coloca a plumagem como prêmio sobre o cadáver em decomposição de uma índia amarrada aos ramos. Em seguida, ele se inclina para beijá-la com ternura, com os olhos ardendo de dor. 

É uma cena de abertura surpreendente, misteriosa e dilacerante. A cena sem palavras dos filmes de Shepard,  mas é duvidoso que ele poderia ter tornado isso tão revelador sem Phoenix, que infunde o papel com uma rara intensidade crua. Aos poucos, o filme preenche mais detalhes sobre esse personagem obcecado. Seu nome é Talbot Roe, o filho temporão de Prescott Roe (Richard Harris), um camponês sério que fará qualquer coisa pelo seu filho único. Na última primavera, o velho Roe comprou para seu filho uma esposa, a mestiça índia Awbonnie (Sheila Tousey), em troca de três cavalos. O vendedor foi o pai irlandês de AwbonnieEamon McCree (Alan Bates), o proprietário eternamente bêbado do Kickapoo Traveling Medicine Show. Algumas semanas antes, Awbonnie morreu no parto (e o bebê junto com ela), deixando Talbot tonto de tristeza e seu pai determinado a comprar-lhe uma mulher em substituição, a irmã de Awbonnie, Velada (Jeri Arredondo). "Ele está caindo ainda mais fundo dentro de si mesmo", diz Prescott McCree. "Ele se recusa a comer ou falar. Ele apenas está sobre o seu corpo como uma alma perdida." 

Harris dá um desempenho extraordinariamente comovente e discreto. Bates, que poderia ter exagerado, encontra um humor retorcido em McCree. "Eu não sou um poço sem fundo de filhas", diz Roe, embora a ganância de McCree não conheça limites. Seu filho, Reeves (Dermot Mulroney), sabe que dinheiro e carne de cavalo valem mais para McCree do que ele ou as duas filhas que McCree teve com a índia Silent Tongue (Tantoo Cardeal). Quando Reeves protesta pela venda desumana de sua meia-irmã, o pai diz: "Ela é uma índia - eles nasceram para sofrer."

Em flashbacks, vemos Reeves quando criança, olhando com horror como seu pai estupra Silent Tongue, assim chamada depois que sua língua foi cortada por mentir para um chefe Kiowa. Embora McCree se case com a mulher que ele violenta, ela finalmente abandona ele e suas filhas para retornar à sua tribo. McCree, atormentado por sonhos de uma vingativa Silent Tongue, hesita sobre a venda de sua segunda filha. Que  pede a Prescott para sequestrar Valeda para salvar seu filho.
 

Em mais de 40 peças, incluindo True West, Fool for Love e o ganhador do Prêmio Pulitzer Buried Child, Shepard tem mostrado um interesse apaixonado pela desintegração da família e a corrupção do espírito pioneiro, preocupação que se aprofunda em O Espírito do Silêncio, seu segundo filme como diretor - seguindo o menos bem sucedido Extremo Norte, em 1988. McCree e sua coleção de acrobatas, engolidores de fogo e malucos fizeram um negócio de vender ilusões.  

Embora Shepard considere o show da medicina como simbólico do óleo de cobra que invasores como McCree têm vendido aos índios americanos, o impulso do filme é menos político do que espiritual. Dois palhaços, interpretados por Bill Irwin e David Shiner, contam histórias de fantasmas de quadrinhos para o público com acompanhamento musical de Red Clay Ramblers. Porém, fora de planícies, Talbot está vivendo uma história de fantasmas de verdade. 




Enquanto Talbot vigia, o fantasma de Awbonnie - com um traço de tinta branca correndo pelo rosto zangado - aparece para repreendê-lo: "Você é um cachorro, um cão lento, para me prender aqui fora pelo seu medo egoísta da solidão." Tousey, uma índia Stockbridge-Munsee e Menominee que co-estrelou com Shepard em Thunderheart, é uma maravilha feroz no papel. Awbonnie quer que Talbot jogue seu corpo no fogo, para que seu espírito possa ser livre. Mas, mesmo quando esse fantasma o derruba, o sufoca, coloca uma maldição sobre seu pai e o persuade a se matar, Talbot se apega tenazmente ao que é agora apenas um amontoado de carne em decomposição. 

Durante os ensaios, Shepard amarrava Phoenix a Tousey com uma corda para reforçar o vínculo que ele queria que Phoenix sentisse. Phoenix recompensa com um desempenho de pungência quase insuportável. Quando o pai de Talbot e Velada chegam, perseguidos através de uma região Kiowa por McCree e seu filho, o fantasma também os ameaça. É Prescott, que finalmente rompe o que prende seu filho a Awbonnie e ao passado. Para Roe, que aprendeu a respeitar, se não a entender, o espiritualismo índio, há esperança. Para McCree, que vê em Banshee apenas o "demônio" das planícies, não há absolvição. 

Shepard carregou o filme com tanto peso metafórico que ele corre o risco de desabar. Mas à medida que Talbot mantém sua vigília solitária - notavelmente fotografado por Jack Conroy - Shepard se aproxima da transcendência mítica que procura. Talbot, com sua mente febril, encontra a realidade e a fantasia deslizando de uma para o outra até que ele consegue uma espécie de paz. É uma perigosa jornada no desapego, e Phoenix nunca vacila. É uma aposta apropriada a uma carreira extraordinária. Servindo a Shepard e ao filme, Phoenix foi, como sempre, silenciosamente devastador.

Desapegar pode se revelar mais difícil para os admiradores do ator. Você não pode assistir Silent Tongue sem retornar aos outros 12 filmes feitos por Phoenix em oito anos. 
Ali ele é como a criança em Stand by Me, fumando, dando as cartas e xingando Corey Feldman. Mas a resistência foi sempre um ato para Phoenix. Seu dom era encontrar a fragilidade por trás da bravata de um personagem. Nós sempre lembraremos do braço reconfortante que ele colocou em torno do assustado Wil Wheaton em Stand by Me ou de sua sensível despedida de Martha Plimpton em Running on Empty ou de sua penetrante confissão de amor a Keanu Reeves em My Own Private Idaho.

Fonte: Rolling Stone:, em  01 de fevereiro de 1994

15 comentários:

  1. Adorei! Grandes elogios, à altura do talento de River.

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  2. Femme, uma dúvida. O filme todo se passa no deserto?

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    1. Sim, Anônimo, o filme se passa todo no deserto. É um filme muito bonito e triste.

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    2. Essa reportagem definitivamente me tirou lágrimas..é tudo o que River era mesmo..excepcional ator!

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  3. oi Femme,olha esse filme eu nao encontro de jeito nenhum,assim como Dark Blood,eu sonho em poder assistir Silent Tongue tbm mas ta dificil,só encontrei em vhs mas encontrar um videocassete esta mais dificil ainda rsrssr e dps dessa materia fiquei com mais vontade ainda de assistir esse filme,oh meu Pai me ajuda a dormir essa noite!!!
    Alias,Femme ja chegou o presente pela colaboração do Dark Blood??? o q é??? to curiosissima!!! bjs bjs bjs

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    1. Oi, Naty, espero que você consiga ver este filme, eu o assisti há muitoooo tempo...rs...

      E o presente que receberei é uma cópia de Dark Blood e três fotografias originais feitas no set das filmagens. Mas a produtora informou que adiou a entrega (que seria em outubro) para dezembro por que eles inscreveram o filme em outro festival, que exigia que ele ainda não tivesse sido distribuído ao público, até lá. Então, estou esperando ansiosamente...

      Beijos!

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    2. Minha amiga se vc esta ansiosa imagina eu,que nao vejo a hora do filme sair na net,na tv ou no cinema,vc deve estar com muito orgulho de poder ter o nome divulgado nos creditos finais filme como colaboradora,me desculpe mas eu estou curtindo sua felicidade,sério,to muito feliz por vc!!! bjs bjs bjs

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    3. Estou muito feliz mesmo, Naty. Obrigada pela torcida! :)

      Beijos.

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  4. Femme, como foi que você ajudou na colaboração do Dark Blood? Desculpa, não entendi!

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    1. Anônimo, o Fundo de Cinema Holandês aceitou financiar a finalização de Dark Blood desde que os fãs aceitassem doar certa quantia, assim demonstrando seu interesse.

      Então, a cada doação, você receberia um prêmio pré-definido. Poderia ser frames do rolo original do filme, fotos tiradas no set, uma cópia do filme em DVD, seu nome, com um agradecimento, nos créditos do filme, (eu ganhei esta também! rs), um convite para a estréia do filme no Festival Holandês, um jantar com o diretor.

      Então, eu apenas fiz uma doação, entendeu? ;)

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  5. é impressionante como todos os films estavam dentro das caracteristicas da personalidade dele

    deserto...floresta...rios....droga....amor...carinho...vunerabilidade....familia....espiritualidade..... ele com certeza vaio trazer uma mensagem

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    1. Comentário mais que perfeito, Psicólogo..é assim que vejo também.


      E Femme, parabéns pela
      iniciativa da doação, felicíssima de saber que vc estará recebendo Dark Blood em casa. Bjo

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  6. River era fascinantemente visceral... Espero conseguir logo esse e alguns outros filmes que não vi ainda, ô troços difíceis de achar, mas não tem problema não
    Que coisa bacana, Femme! Você sempre fazendo tanto por ele, nunca vi tamanha dedicação de amor, tempo, de uma pessoa com outra que sequer conheceu (mas que mesmo assim proporcionou e impactou tanto, mesmo com a distancia física)
    Deve ser especial saber que você contribuiu com um projetor do River, pra tornar real algo que um dia ele acreditou e empregou sua energia c:

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  7. Assisti hoje ao filme O Espírito do Silêncio. Phoenix está incrivelmente convincente, maravilhosamente dramático e uma atuação muito sensível! Filme imperdível! Consegui baixaro filme no site TorrentKing. Mas somente consegui a legenda em Inglês! Valeu a pena!

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  8. Sabe eu sou obcecado por ver esse filme com os 15% ou 16% 18% que o diretor falou que estavam lá. Eu soube que o diretor de fotografia estava tentando encontrar eles inclusive a cena final. Soube que estavam fazendo um documentário sobre dark blood. Gostaria muito mesmo que encontrem essa parte do filme... e que os problemas pra poder lançar o filme nos cinemas fosse resolvido. Bem é apenas um desejo. Então femme tem alguma novidade sobre isso. Que vi a materia do documentário depois NÃO ouvi mais nada. Voce que é hiper informada sobre essas coisas o que tem a me falar.

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