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terça-feira, 6 de dezembro de 2011

"Amor, Morte e Vergonha no Velho Oeste": Rolling Stone/1994

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Um conto assombrado de amor, morte e vergonha no Velho Oeste, O Espírito do Silêncio (Silent Tongue) não é um grande filme, mas aspira a ser. Você pode sentir Shepard tentando cortar através de convenções e chegar a algo profundamente enraizado, vital e comovente.

Ao deixar isso para River Phoenix decidir, O Espírito do Silêncio, um pedaço exigente da poesia limite de Shepard, evita a postura de menino bonito.

A primeira visão de Phoenix vem como um choque. Com roupas sujas, com os lábios rachados e um olhar enlouquecido, ele se senta debaixo de uma árvore com um rifle, montando guarda para o fogo. Você pode ouvir o crepitar das chamas contra o ar frio. Vendo um pássaro em vôo, ele atira nele, arranca suas penas e sobe na árvore, onde ele coloca a plumagem como prêmio sobre o cadáver em decomposição de uma índia amarrada aos galhos. Em seguida, ele se inclina para beijá-la ternamente, com os olhos ardendo de dor.

É uma cena de abertura surpreendente, misteriosa e dilacerante. A cena sem palavras dos filmes de Shepard. Aos poucos, o filme preencherá mais detalhes sobre esse personagem obcecado. Seu nome é Talbot Roe, o filho tardio de Prescott Roe (Richard Harris), um homem da planície sério que fará qualquer coisa pelo seu filho único. Na primavera passada, o Roe mais velho comprou uma esposa para seu filho, a mestiça Awbonnie (Sheila Tousey), em troca de três cavalos. O vendedor foi o pai irlandês de Awbonnie, Eamon McCree (Alan Bates), o proprietário eternamente bêbado do Medicine Show Kickapoo Traveling.

Algumas semanas antes, Awbonnie morreu no parto (o bebê com ela), deixando Talbot tonto de tristeza e seu pai decidiu comprar para ele uma esposa substituta, a irmã de Awbonnie, Velada (Jeri Arredondo). "Ele caiu ainda mais profundamente dentro de si", Prescott diz a McCree. "Ele se recusa a comer ou falar. Ele só está sobre o seu corpo como uma alma perdida."

Harris tem uma atuação extraordinariamente comovente e discreta. Bates, que poderia ter exagerado ao máximo, encontra um humor retorcido em McCree. "Eu não sou um poço sem fundo de filhas", diz Roe, embora a ganância de McCree não conheça limites. Seu filho, Reeves (Dermot Mulroney), sabe que McCree valoriza dinheiro e carne de cavalo mais do que ele ou as duas filhas geradas pela sua mulher índia Silent Tongue [Língua Silenciosa] (Tantoo Cardinal). quando Reeves se opõe à venda desumana de sua meia-irmã, o pai diz: "Ela é uma índia - eles nasceram para sofrer."

Em flashback, vemos Reeves quando criança, olhando com horror enquanto seu pai estupra Silent Tongue, assim chamada depois que sua língua foi cortada por ter mentido para um chefe Kiowa. Embora McCree se case com a mulher que ele violentou, ela finalmente o abandona e às suas filhas para retornar à sua tribo. McCree, atormentado por sonhos de uma Silent Tongue vingativa, hesita em vender sua segunda filha. O que leva Prescott a seqüestrar Velada para salvar seu filho.

Em mais de 40 peças, incluindo True West, Fool for Love e a premiada pelo Pulitzer Buried Child, Shepard tem mostrado uma preocupação apaixonada pela desintegração da família e pela corrupção do espírito pioneiro. Essa preocupação se aprofunda em O Espírito do Silêncio, seu segundo filme como diretor - seguindo o menos bem sucedido Far North, em 1988. McCree e sua coleção de acrobatas, engolidores de fogo e malucos fizeram um negócio da venda de ilusões.

Embora Shepard considere o show da medicina como um símbolo do veneno de cobra que invasores como McCree têm vendido aos índios americanos, o impulso do filme é menos político do que espiritual. Dois palhaços, interpretados por Bill Irwin e David Shiner, contam histórias de fantasmas em quadrinhos para o público com acompanhamento musical pela Red Clay Ramblers. Mas, fora das planícies, Talbot está vivendo uma história de fantasmas de verdade.

Enquanto Talbot vigia, o fantasma de Awbonnie - um traço de tinta branca escorrendo pelo seu rosto irado - aparece para repreendê-lo: "Você é um cão, um cão baixo, me prendendo aqui pelo seu medo egoísta da solidão." Tousey, uma índia Stockbridge-Munsee e Menominee que co-estrelou com Shepard em Thunderheart, é uma maravilha feroz no papel.

Awbonnie quer que Talbot lance seu corpo no fogo para que seu espírito possa ser livre. Mas mesmo quando esse fantasma o derruba, o sufoca, põe uma maldição sobre seu pai e o persuade a matá-lo, Talbot se agarra tenazmente ao que é agora apenas um monte de carne em decomposição.

Durante os ensaios, Shepard amarrou Phoenix com uma corda a Tousey para reforçar o vínculo que ele queria que Phoenix sentisse. Phoenix o recompensa com uma performance de pugência quase insuportável. Quando o pai de Talbot e Velada chegam, perseguidos através das terras de Kiowa por McCree e seu filho, o fantasma também os ameaça. Prescott é que finalmente rompe o que prende seu filho a Awbonnie e ao passado. Para Roe, que aprendeu a respeitar, se não a entender, o espiritualismo índio, há esperança. Para McCree, que vê apenas uma mulher de voz esganiçada no "demônio" das planícies, não há perdão.

Shepard carregou o filme com tanto peso metafórico que isso ameaça desabar. Mas quando Talbot mantém sua solitária vigília - notavelmente fotografado por Jack Conroy - Shepard fica perto da transcendência mítica que procura. Talbot, sua mente febril, encontra a realidade e a fantasia deslizando de uma para o outra até que ele atinge uma espécie de paz. É uma perigosa jornada no desapego, e Phoenix nunca vacila. É uma aposta apropriada a uma carreira extraordinária. Servindo a Shepard e ao filme, Phoenix foi, como sempre, silenciosamente devastador.


Fonte: Rolling Stone, em fevereiro de 1994

11 comentários:

  1. Femme, vc já viu todos os filmes dele?

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  2. Excelente crítica.
    Obrigada por publicar, Femme!

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  3. Maria,

    Não vi todos os filmes dele por que morro de pena de não ter mais nada pra esperar ver... sim, eu sei que é maluquice, mas me dá um aperto no coração esta perspectiva.

    O único filme que eu ainda não vi foi "Uma Noite na Vida de Jimmy Reardon." Mas todos os outros, eu assisti sim. Alguns, várias vezes. Sou apaixonada pelo cara, confesso, fazer o quê, né? :)


    Rosa,

    Fico muito feliz quando encontro críticas como esta, consistente e profunda. E AMO quando River é reconhecido em seu extraordinário talento. :)

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  4. Rosa,

    Surpreendentemente, descobri agora que esta crítica era muitoooooooo mais elogiosa a River! Ela foi toda recortada para retirar grande parte dos elogios às suas performances magníficas, não apenas neste filme, mas em toda sua carreira. Estou pasma, chocada aqui...

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  5. Olá Femme,
    quero muito ver esse filme,mas é difícil de encontrar,só vi 2.Ñ consigo ver nem na internet,tem no youtube mas só em inglês.Parece ser ótimo como todos do River.
    Ele era muito elogiado,tanto que te deixa até chocada,né,rs,rs,rs
    Ele era silenciosamente devastador!!!
    BJOS!!!

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  6. Michele,

    Na verdade, eu nunca fico chocada quando vejo River ser elogiado ..rs.. isso é tão natural e justo!

    O que me chocou aqui foi descobrir que tinham cortado MUITOS elogios feitos a ele originalemente nesta crítica, entende? Esta crítica, completa, traz muitos outros elogios a River, além desses que lemos aqui.

    Por isso, depois vou ter que traduzir as partes que faltam, e fazer um novo post pra complementar e ser justa com River e com quem escreveu. ;)

    E realmente é meio difícil achar alguns dos filmes dele, mas vale a pena insistir.

    Beijos!

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  7. podiam fazer um circuito de cinema especial a ele =]!!!!

    quero muito o resto da entrevista!!!

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  8. Olá Femme,
    estava lendo reportagens do ano passado que ñ tinha lido ainda e fiquei em choque com uma entrevista do pai de River em que ele desabafa sobre a morte do filho,diz como foi a última vez que o viu,nessa hora chorei.River disse pro pai que o veria quando terminasse o filme,John disse que River o viu,mas estava no caixão,e como ñ era de se esperar, ele afirma que sabe quem deu a droga a River naquela noite.Ele diz claramente que o cara tinha 23 anos,que era um rockstar,claro que é um integrante do red hot,ñ lembro o nome ,mas o sobrenome é frusciante,já lí em algum lugar alguém dizer que ele que deu a droga a River,John disse que ele era um assassino e que ia estrangulá-lo,Depois dessa até eu quero matar esse cara,já lí que ele disse que morrer foi melhor pro River,meu Deus,River tinha muitas pessoas ruins ao seu redor.Ele era um anjo,e anjos são bons demais pra ver a maldade nas pessoas!!!

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  9. Maria,

    Eu ADORARIA um circuito de cinema só pra ele! :))

    Vou traduzir o resto desta crítica, assim que der.


    Michele,

    Infelizmente, River tentava ajudar muita gente, e esquecia de si mesmo.

    Eu concordo com John que o Frusciante tem responsabilidade se, afinal, foi ele que preparou a mistura mortífera e deu pra River beber.

    Apesar disso, eu não acho que Frusciante fez isso de propósito. Ele só foi inconsequente.

    Mas o que realmente me indignou ao extremo foi ele dizer que River não gostava da vida e que foi melhor para ele ter morrido! Isso foi de uma sordidez sem limites.

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  10. Pela crítica se percebe um excelente filme. Ainda não assisti esse, infelizmente, mas estou atrás.

    É lindo e emocionante ver esse reconhecimento.

    Obrigada =)

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  11. Este comentário foi removido pelo autor.

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