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segunda-feira, 21 de março de 2011

"O Jovem River" - [Parte 4] - Movieline, 1991

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No momento em que chegamos à fazenda, em algum lugar numa floresta residencial negro-azulada, voltamos a falar sobre o filme de Redford. "Se você quiser o papel o bastante, você pega o touro pelos chifres e persegue isso", eu sustento.

River balança a cabeça. "Não. Eu não. Eu simplesmente não vou. Eu simplesmente não consigo. Com Bob, você tem que confiar na intuição do diretor e saber que ele tinha a imagem clara e se você se encaixa, isso é natural. Mas forçar isso é egoísmo em algum grau. É tipo... certamente você pode fazer um grande trabalho, mas é melhor confiar na decisão do criador do filme. Estou muito feliz de ver o filme sendo feito e eu acho que, neste caso, o caminho é tão longo, quem sabe o que vai acontecer - mas vai ser um filme melhor por eu não estar nele. Estamos agora entrando nas instalações."

Após números serem digitados em uma almofada de segurança, uma portão balança e abre para uma calçada com lama, esburacada, fixada na rodovia, a maior parte obscurecida por um pântano de nevoeiro. A chuva está a caminho.

"Uma das coisas que foi apresentada a mim," River continua baixinho enquanto nos dirigimos para dentro, "numa fase precoce da vida, era tentar fazer as coisas acontecer. Mas nada funciona assim para mim. O que eu aprendi por mim mesmo foi que tentar brincar de Deus com a sua vida vai detonar seu cérebro e seu sistema nervoso e atrapalhar a sua direção natural do caminho que já está lá ... Mas, olha, eu simplesmente não quero ler sobre mim me tornando um caso perdido por causa do meu trabalho. Isso é auto-piedade, o que eu odeio. Quer dizer, isso vem com o território. Um ator com alguma convicção vai milhas além, mas é claro que você vai sofrer danos na sua mente.

"Você apenas tem que ser o mais neutro possível, para que só o trabalho seja o que você leia. Caso contrário, você pode ver isso em certo grau na performances de atores - aquele pode ser um grande desempenho, mas você pode realmente ver a tensão no set em seu trabalho, o que, para mim, é como ouro de tolo. É uma lição difícil de aprender, mas você tem que confiar no tempo e espaço como ele é, com ou sem você. Então, você dá tudo o que ele merece, e não há nenhuma pressão."

A casa de hóspedes da fazenda da família Phoenix foi convertida em um apartamento/estúdio de gravação. A banda está no meio da montagem de uma fita demo (River tem um contrato de gravação em andamento com a Island Records), sob a orientação de um engenheiro temperamental chamado Blake.

"Ele é um castrador, mas se fizéssemos apenas isso, teríamos nove canções prontas em um ano. Estou usando vocês como uma desculpa por algum tempo fora", adverte River a Michael e a mim, o que explica o aperto de mão gelado de Blake quando entramos no estúdio.

River está subindo e descendo as escadas do estúdio para a cabine de som do engenheiro, onde ele está conduzindo o trompetista, para garantir o ritmo certo. A música tem uma mistura Osterized Police/XTC/Byrds, ao mesmo tempo ágil e arrastada. Os vocais, fornecidos por River e sua irmã Rain, são etéreos e sem ossos, e faz tanto mais pela frágil auto-afirmação das oitavas da melodia. Pela quinta execução, o trompetista tem sua vitória. Lá fora, uma tempestade elétrica incendeia a paisagem como uma estrondosa inundação de luz vinda da porta do céu.

"Aleka," River explica, "é o espírito do grupo. Esta sala", ele aponta para as vigas entrecruzadas, Aleka's Attic. Aleka era uma criatura imaginária que escreveu poesia e música e deu o seu espírito para a banda."

Mais tarde, as luzes foram apagadas e a multidão se reuniu em torno de um televisor. "Gostaria de assistir a um filme?" River pergunta, envolvendo o braço em volta do meu ombro. A gangue completa inclui os dois Joshes - Josh, o baixista, e Josh, o baterista, Bill, o trompetista e Rain, vestindo uma camiseta "Ugly Americans", além de Blake e do cantor do Fromage.

Duas horas e meia depois vimos um som-e-edição do trabalhos de My Own Private Idaho, um filme deslumbrante. River e Keanu Reeves interpretam prostitutos como uma espécie de Watt e Murphy de Excellent Adventure. O personagem que River interpreta, perdidamente apaixonado pelo personagem de Keanu Reeves, está à procura de sua mãe em um deserto sem valor de namoros e traição. O granulado, a qualidade irregular da fita e, ocasionalmente, o som distorcido, em nada diminui o impacto do desempenho de River. Em seu primeiro papel de verdade como um jovem homem, ele me deixa louco.

No caminho de volta para a cidade, eu não posso tirar o filme da minha cabeça. Sinto uma culpa indireta quando eu vejo os milhares de sapos na interestadual. Você pode ouvi-los estalar sob os pneus.

...

Quando ele salta para o Plymouth na manhã seguinte, River está vestindo a mesma surrada camisa estampada saindo da mesma calça de trabalhador imigrante que ele usava no dia anterior. "Jesus, River, você dormiu com sua maldita roupa." "Não, cara, eu dormi em uma manta de carne quente."

Blake chamou para uma sessão vocal na fazenda e River quer que eu veja o lugar à luz do dia. No meio do caminho, River pula com "Imagine" de Lennon tocando no rádio.

"O babaca que atirou em Lennon está em alguma prisão da máfia, você pode acreditar nisso? John Lennon foi eliminado por causa de sua posição pró-ambiente. Se John Lennon dissesse: 'Desliguem as televisões agora, caras, vamos economizar energia elétrica por dois dias seguidos', três milhões de pessoas na América instantaneamente teriam feito isso! Se John Lennon tivesse dito, 'Por favor', nas rádios, 'Por favor, não vote em Ronald Reagan'- você está me dizendo que três milhões de pessoas que pretendiam votar nele para presidente não teriam desistido disso?" River dá um suspiro profundo, respirando o ar puro que entrava pelas janelas. Conforme nos aproximamos, o odor de podridão de turfas e ervas daninhas enche o carro.

"São os jacarés," River sorri. A fazenda de dia é invadida pelo zumbido e coaxar de seres vivos, um arco terrestre da biologia.

"Você quer ver um jacaré?" River pergunta. Claro que sim. "Dê um mergulho lá fora", ele sorri, apontando para o pântano além da cerca de arame farpado correndo com a paisagem. A lagoa, um azul gritante nos apartamentos de um prado, está repleta de sapos mortos, que simplesmente pularam cegamente do mato no meio da noite. A população de rãs leva uma surra do ecossistema aqui.

No final da sessão de gravação, estamos formando um círculo com as cervejas, na frente da casa principal. Blake está se lamentando sobre a banda. "Nós nunca vamos colocar esses caras em forma." Tendo sido dito que os Beatles fizeram seu primeiro álbum em questão de poucos dias, River brinca: "Sim, e o que foi isso? Tipo, 'She loves you, yeah, yeah, yeah." Depois, há um silêncio momentâneo quebrado apenas pelo cantar aleatório dos grilos.

"Ei, River, eu estava esperando você beijar Keanu, havia tanto acumulado," zomba Blake, aludindo a uma cena do filme da noite passada.

"Mas eu não, cara. Você está feliz que eu não? Você não se sente muito mais confortável estando perto de mim agora, porque eu sou um garanhão machista?"

"Não. Você ainda é um covarde, Riv. Boa a cena de vocês subindo a cidade com a moto, no entanto."

"Legal, né, Blake? Fui machão o suficiente para você?"

O que ficou comigo do filme são as passagens do tempo nas cenas de nuvens. "É como colocar um York Peppermint Patty em seu coração, não é?" River comentou ontem à noite. Mas, mais indelével do que aquilo foi o espírito totalmente quebrado, ferrado, do personagem de River, que, segundo ele, foi inspirado por um "forte pesquisar" Stroszek de Werner Herzog.

"Nós gravamos um monte de coisas no início da manhã. Então, eu não acordava até o último minuto, e eu não estaria plenamente acordado até como cinco takes da filmagem. Houve um momento, cara, isso era Seattle no frio, eu realmente estava me sentindo ansioso por não ser esta pessoa."

Enquanto River está dizendo isso, Blake, de repente salta para trás. No meio do nosso círculo, enrolada na grama, está uma negra cobra do pântano. Estamos todos nos afastando, com exceção de River, que faz uma pequena cambalhota em torno da aterrorizada cobra: "Homem-Aranha, Homem-Aranha, ninguém sabe quem você é!"

No carro, enquanto nós dirigimos para a saída, mais tarde, River está pendurado para fora da janela traseira, guiando-me para fora do quintal. Ele não quer que nós atropelemos a cobra.

"Vá em linha reta, todo o caminho, para trás. Direto para trás! DIRETO PRA TRÁS!"

"Você tem isso."

"Com certeza você é um maníaco homicida!" River diz, possivelmente a sério.

O álbum do Velvet Underground, lamenta em um lugar chamado The Hardback, enquanto o baixista da banda da casa, The Moles, toca suas melodias na guitarra. River está calculando o meu tempo, concluindo que eu tenho muita coisa para fazer antes da partida do meu vôo. Um rapaz estudioso e bonito sentado na mesa do canto perto de nós continua de olho em River, que está fazendo uma última caminhada do seu fluxo de consciência.

"Eu me sinto como Quayle." [N.T. Ex-vice-presidente americano conhecido por ser um completo idiota]

o que tem no menu?" [N.T. O jornalista confunde 'Quayle' com 'quail' = codorna]

"Não, não - Quayle. O vice. Adoro Quayle," River sussurra, "e adoro Bush. Adoro mato, literalmente." [N.T. River faz um trocadilho irônico entre 'Bush', ex-presidente americano conservador que ele detestava, e 'bush' = mato, selva]

"Se você está se sentindo inseguro sobre estar em um filme sobre gays, esqueça."

"Primeiro de tudo, o filme não é realmente sobre gays", diz River. "Em segundo lugar, eu não tenho nenhum problema real com isso." Apesar de três dias de cobras, sapos e canários, e apesar da teoria da conspiração de Lennon, eu acredito nele.

Estamos comendo sanduíches de sorvete e decidindo quem deve estar na lista de maiores canalhas do mundo. Alguém menciona Joel Schumacher.

"O Grinch", River proclama: "é o maior canalha. Eu não posso apoiá-lo. Eu adoro o Dr. Seuss." [N.T. Personagem de um conto de Dr Seuss, o Grinch é uma criatura que odeia o espírito de Natal e planeja acabar com a festa]

"Sabe, ele fez um livro para adultos, uma vez", digo a River, que fica fascinado.

"Começou mais tarde?"

"Ele também fez um filme", o aluno da uma mesa no canto fala, "Grande cara, grande filme. Acho que se chamou 'The Eighty-Eight Magic Fingers of Dr. Twilliger.' Claro, eu estava tropeçando nas minhas bolas, na primeira vez que vi isso." O garoto faz uma pausa, os olhos em River. "Ei, eu vi você por aí, em algum lugar. Você conhece Brigitte?"

"Sei quem é," sorri River. "Eu não a conheço. Talvez seja melhor".

"Não pode ser isso, então." O rapaz pensa por um momento, então isso lhe atinge como um relâmpago na Flórida.

"Eu sei. Te conheci através do baixista do .. como era o nome de seu grupo?"

"Aleka's Attic".

isso", disse o jovem, concordando, "Aleka's Attic. O que vocês estão fazendo?"

"Não mudamos quase nada," River responde pacificamente, e então assegura-me, uma última vez, que eu tenho a eternidade antes do meu avião sair. A felicidade toma conta de seu rosto.

"Ei, e se você perdê-lo, isso era pra ser, certo?"


Fonte: Movieline, em setembro de 1991

7 comentários:

  1. Muito bom!
    Material raro, completo, cheio de detalhes sobre o jeito de ser de River...
    Muito bacana poder ler alguns de seus gostos, critérios, olhares...São as peças que mostram quem ele realmente era.
    E que venham mais materiais!!
    Vida longa ao blog.

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  2. Marcela, o que me deixa mais impressionada é a forma sofisticada como River analisa e elabora seus pensamentos. Ele se mostra anos-luz à frente de outros atores. E ele tinha apenas 21 anos de idade! Mas, caramba, como dá trabalho traduzir as entrevistas dele, exatamente por isso! Assim, caso veja algo "estranho" que mereça uma outra tradução, pode apontar, ok? Terei prazer em corrigir.

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  3. Femme,
    entendo que o contexto e o conteúdo das entrevistas de River tenham mesmo traduções complexas, ele tinha um pensamento muito avançado, montava conexões variadas, fluía com o pensamento. Mas vc faz um trabalho muito bom, não acredito que eu seria capaz de fazer melhor.
    Todos nós que curtimos o blog ficamos agradecidos por sua dedicação em traduzir o material.
    Sempre um prazer ler o que River falou um dia.
    Beijo.

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  4. Obrigada, Marcela. :) Mas realmente queria que vocês aqui se sentissem livres pra dar um toque quando isso puder ajudar a tradução, ok?

    Beijo!

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  5. Nossa, eu tinha perdido o link desse blog, que desespero, viu? Haha.
    Foi bom "reencontrá-lo" e ver que você continua postando coisas legais e interessante sobre o "nosso" River. =)
    Obrigada!
    Abraços.

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  6. Hahaha, legal você ter conseguido reencontrá-lo, Fran. Salva nos "Favoritos" que nunca mais você perde...:)

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  7. River era muito diferente.
    Engraçado como a mente dele trabalhava de uma forma fora de série.
    Uma inteligência gritante e sempre com tanta sutileza.
    Fico abismada, encantada e apaixonada por tudo isso.

    Obrigada Femme =)

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