PARTE 2
Não estava fora de cogitação que Phoenix iria estrelar o filme de John Boorman, Broken Dream, que Boorman tinha co-escrito com Neil Jordan, e com o qual Phoenix tinha se comprometido antes que o financiamento do filme entrasse em colapso. Ele havia sido escalado como Ben, um jovem ilusionista em um mundo futurista em ruínas, que é ensinado por seu pai a fazer objetos e, finalmente, pessoas, desaparecerem.
"Eu me encontrei com River algumas vezes", lembra Boorman. "Ele era malandro, mas ao mesmo tempo havia uma fragilidade sobre ele. Você sentia que, de alguma forma, ele tinha que ser protegido. Muitas pessoas achavam que ele era vulnerável e aberto." Woolley expressa o mesmo sentimento. "Ele tinha total vulnerabilidade. Era como estar na presença de uma criança. Quando ele fazia coisas bobas, você queria dizer, 'Não faça isso', ou 'Tenha cuidado."
Peter Newman produziu Dogfight, o qual Phoenix protagonizou logo após receber sua indicação ao Oscar, e lembra de uma figura de certa modéstia. "Ele era muito gentil e educado, e tinha essa doçura real sobre ele Ele trouxe Joaquin, que tinha cerca de 14 anos, com ele no set o tempo todo. De maneira incomum para um ator jovem e famoso, não havia nenhuma arrogância em River - nada de roupas extravagantes, nenhum carro de luxo. ele estava sempre preocupado se as pessoas gostariam de sua atuação. Nós saíamos da triagem das filmagens e ele me dizia: 'Eu estou bem?'"
Ele foi sábio em suas escolhas de carreira, guiado por sua família imensa, mas muito unida e sua agente combativa, Iris Burton. É provável que o carisma natural de Phoenix teria brilhado mesmo sem influência da indústria - Sidney Lumet, que o dirigiu em O Peso de Um Passado, concluiu que o ator "não poderia ser comum nem se ele tentasse". Mas com Burton por atrás dele, Phoenix tinha todas as bases cobertas.
Pessoas que sabiam sobre filmes sabiam que ele era especial em seu trabalho ousado com diretores independentes, como Van Sant e Nancy Savoca. As pessoas que não se importavam com isso de qualquer forma reconheciam seu rosto de filmes mainstream bem posicionados como Sneakers e Indiana Jones e a Última Cruzada. Ele havia tomado as paredes dos quartos e os corações de um público mais jovem, posando e fazendo beicinho em trapos adolescentes, e esse status inicial de galã parecia maltratá-lo tanto quanto os vários males ambientais contra os qual ele protestava incansavelmente. Seria fácil agora ver o trabalho de Phoenix através do véu de distorção de sua morte feia, mas havia conflito na personalidade do ator desde o início.
"Ele era muito atraente", lembra Newman, "mas ele não tentava melhorar sua aparência. Ele sempre foi uma espécie de maltrapilho, com o cabelo sujo e pendendo." Dirk Drake, seu antigo tutor e amigo, disse: "River odiava estar na capa da [revista teen] Tiger Beat. Puxando uma fantástica camiseta para baixo e expondo um mamilo - ele estava totalmente envergonhado de fazer isso, mas ele entendeu que era parte de tudo: a missão, o propósito, o trabalho. Mas ele achou ridículo ao mesmo tempo."
Woolley sentiu a mesma disparidade. "River foi presenteado com uma aparência fenomenal", diz ele, "e cada diretor de elenco e produtor tinha ele em mente para qualquer filme onde a imagem do menino bonito fosse o ingrediente principal. Mas ele estava determinado a ir contra esse grão. Sua filosofia era ser um ator de cinema, não uma estrela de cinema."
Olhando para a escolha dos papéis de Phoenix agora está claro que houve burburinhos de inquietação por algum tempo. Em Stand By Me, Phoenix interpretou um valentão que sabia que merecia mais do que um futuro sem saída, mas era inteligente o bastante para saber que ele não iria conseguir. Sua cena final, em que ele se dissolve no ar enquanto o narrador revela que seu personagem morreu no início da idade adulta, foi comovente muito antes da vida imitar a arte.
Havia outros sinais de que Phoenix não seria alimentado pelo material convencional da Brat Pack. Ele interpretou o papel-título de Jimmy Reardon, que era comercializado como um filme de John Hughes, mas contou com uma cena em que Reardon atua em uma fantasia de estupro de sua namorada. Ironicamente, para um ator tão confortável com seus pais, ele experimentou várias vezes estruturas familiares fraturadas na tela - como um filho pagando pelos pecados de seus pais, em A Costa do Mosquito, Little Nikita e O Peso de Um Passado, ou descobrindo que seu irmão era também o seu pai em My Own Private Idaho.
É um toque irônico típico da carreira interrompida de Phoenix que sua melhor performance foi pouco notada. No pouco visto Dogfight de Nancy Savoca, que foi direto para o vídeo na Grã-Bretanha (e poderia muito bem ter feito os EUA por toda a atenção que recebeu), Phoenix desprezou as simpatias do público pela primeira vez interpretando um fuzileiro insensível que concorre com seus amigos para atrair a mulher mais feia na cidade. O filme seria impressionante, mesmo se não tivesse se atritado contra a persona de Phoenix, mas há uma emoção especial em vê-lo tão esticado, de modo visielmente nervoso. Continua a ser o sinal mais explícito e encorajador que temos do que o futuro poderia ter realizado.
"Eu estava tentando fazer Dogfight por cinco anos", diz Newman, "e isso chegou quando a Warner caiu de amores pelo roteiro logo após River ter conseguido sua indicação ao Oscar. Eles disseram, 'Nós vamos fazer qualquer coisa com River." Fiquei surpreso que ele quisesse fazer o filme, e eu acho que foi difícil para ele, inicialmente, encontrar o personagem, porque era muito diferente de quem ele era. Tivemos o instrutor que treinou os atores no Pelotão, ele manteve o elenco em um campo de treinamento por uma semana, o que River achou muito difícil. Eu me lembro quando ele apareceu no set depois que todos tiveram seus cortes de cabelo de fuzileiro, e ele tinha um aparência muito fria em seus olhos - ele tinha passado pelo campo de treinamento, e, de repente, um pouco disso estava entranhado nele."
Newman acredita que Phoenix estava destinado a um território mais sombrio. "Eu acho que ele teria feito as coisas mais ousadas, provavelmente desaparecendo nos filmes ele fazia ao invés de ser a estrela. Eu poderia até tê-lo visto fazer alguns papéis interessantes de apoio." JoAnne Sellar acrescenta: "Dado o tipo de material para o qual River era atraído, eu acho que, se ele tivesse vivido, ele teria nos dado, nos últimos 10 anos, uma mistura de filmes independentes e mainstream."
Seu amigo Keanu Reeves fez um salto bem sucedido para o mainstream com a trilogia Matrix, negligenciando no processo os filmes de espírito independente em que o consagraram. Mas é possível imaginar Phoenix agarrado às suas peculiaridades, mesmo em um contexto de grande orçamento, como seus colegas Johnny Depp e Brad Pitt.
"Eu suspeito que ele teria interpretado personagens mais duros, mais interessantes", argumenta Woolley. "Robert Downey Jr é exatamente o tipo de cara que River teria sido se tivesse vivido. Há uma comparação ali no conflito entre o que paga o aluguel e o que desafia você criativamente, e também, creio eu, da maneira que ambos estavam abandonados para se ferrar. Fiquei muito surpreso, no final, quando se tornou evidente que não havia ninguém cuidando de River. Ninguém poderia - ele era um homem adulto, é claro, mas em outro sentido, ele ainda era um garoto. A maneira como ele morreu foi por visitar pequenos grupos de amigos, nenhum dos quais estava ciente do outro, ficando com um pouco disso, um pouco daquilo. Ele era muito inteligente jogando com todos. Ele simplesmente não tinha ninguém na sua vida que fosse forte o suficiente para dizer: 'O que você está fazendo agora, onde você está indo?"
Boorman foi um de um pequeno número de amigos e colegas convidados a participar de um memorial para o ator realizado no Paramount. "Sua mãe disse que tinha estado em trabalho de parto de River por 48 horas", lembra ele, "e que estava convencida de que ele não tinha realmente querido nascer. Ela pensou que ele tinha feito algum tipo de acordo para que ele não tivesse que ficar muito tempo nesta terra. Pessoas foram convidadas a dizer coisas, e eu tinha a sensação que as pessoas têm em reuniões Quaker, onde de repente eles começam a tremer. Então eu me levantei e disse:' Por que ele teve que tomar todas essas drogas? "
"As pessoas gritavam e gritavam comigo - elas ficaram horrorizadas de que eu pudesse fazer essa pergunta. Mas pareceu-me que isso tinha estado pairando no ar. Sua namorada se levantou e disse que ela achava que ele podia sentir a dor das pessoas: a dor do mundo. E ele tinha que encontrar uma forma de anestesiar essa dor. Ele simplesmente não conseguia lidar com isso. "
Fonte: The Guardian, em outubro de 2003