Por Jean-Paul Chaillet,
PARTE 2
P: Mas você apreendeu alguma coisa com esse personagem (de Dark Blood), que nunca havia vivenciado antes?
RP: Nunca fiz uma pesquisa tão profunda. De certa forma, fui educado dentro da era atômica e o que aconteceu nela sempre me interessou. Sempre considerei isso como “cuspir nos olhos do Senhor”... é uma maneira de falar. Como se o átomo fosse o derradeiro tabu. É como dizer dane-se – foda-se – para toda a criação, para tudo que permite que a vida exista. Romper um átomo é romper todas as regras, mas o tipo de pesquisa e a quantidade de informação que tive fizeram com que eu adquirisse um conhecimento mais profundo sobre esse tópico.
P: Como um diretor reage quando você apresenta essa quantidade de pesquisa? Ou seja, existem os que ficam surpresos ou apavorados? Como Sam Shepard (com quem trabalhou em Silent Tongue) ou Gus Van Sant reagem? Quero saber se ficam surpresos, se te encorajam a fazer isso.
RP: Bem, não é sempre que eu conto para eles. Acaba funcionando como uma espécie de subsidio.
P: Porque... eu não sei se você assistiu a Kalifornia (com Brad Pitt e Juliete Lewis)...
RP: Não. Eu não assisto a filmes.
P: Quero dizer, você começa a ver o desvio psicológico de certas pessoas e o que a sociedade pode fazer com elas, como os afeta. Mas até que ponto seu personagem é violento, como mergulha nesse lado. Até onde vai?
RP: Ele não é violento, apenas um absolutista e quando vê algo, caminha até o lugar e tudo que estiver no caminho tem que sair da frente. Ele vai pedir para que saia e, se isso não acontecer, cuidará de remover ele mesmo, para chegar onde precisa chegar porque, se não fizer isso, estará abandonando as suas convicções e a sua razão de viver.
P: Como ele sobrevive no dia-a-dia?
RP: Ratos, serpentes, água da chuva, qualquer coisinha que passe por ali, e ele beberá o seu sangue, ou aprenderá seu jogo ou...
P: Você tem alguma aversão por essas coisas? Há uma cena em que você traz amarrados vários ratos e cobras e você está pisando em...
RP: Se eu tenho aversão ou se o personagem tem aversão? Se eu tenho aversão a alguma coisa? Bem, como eu não vivo da terra, com eu não estou na cadeia natural de alimentação, eu não me sinto no direito de tirar a alma de qualquer coisa viva. Acho presunção pensarmos que temos esse direito; que eu tenha, pelo menos.
P: Você é vegetariano?
RP: O que isso significa exatamente?
P: Você não come carne vermelha ou frango?
RP: Eu não como nenhum animal. É duro para mim ir a um supermercado e comprar alguma coisa que eu não tenha matado. Se eu vivesse no Alasca, estaria comendo peixe; mas eu não vivo lá.
P: Você está satisfeito por ser ator? Trata-se de algo em que você pensa? O que vem primeiro é o prazer, a pesquisa, o processo intelectual?
RP: Bem, quando você olha a galeria de personagens, de filmes, ou de qualquer outro meio de expressão, nota que existem buracos e elos perdidos e aquilo que eu mais gostaria de fazer e aquilo que eu não sou capaz de fazer é a combinação ideal. Embora seja difícil fazer qualquer coisa que seja efetiva nesse sentido, meu objetivo é falar por esses personagens que ainda não foram interpretados. Existem bolsões no tempo que ainda não foram identificados. Existe a gravidade que ainda não entendemos completamente e cada pequeno avanço que fazemos, seja na ciência, na matemática ou psicologia humana, nos aproximamos de um quadro cada vez maior. Acredito que exista uma quantidade enorme de ideias e de personagens que ainda não tiveram voz. Se eu puder ser essa voz, ficarei feliz. Essa é concepção que eu possuo do prazer, a oportunidade de chegar a algo que nunca foi alcançado anteriormente, conseguir isso, não para ser original ou para ser o primeiro. Mas por que é preciso ir cada vez mais longe,cobrir um terreno sempre maior.
P: E está cada vez mais difícil encontrar esse tipo de proposta a que você se refere, não?
RP: Bem, eu posso repetir o mesmo papel várias vezes e fazê-lo de milhões de maneiras diferentes. É infinito. Assim como existem incontáveis átomos no meu corpo, tantos são os personagens a serem interpretados.
P: Você se sente satisfeito com o trabalho de ator que vem realizando? Você o considera representativo?
RP: Honestamente, eu não raciocino sob o ponto de vista de carreira e quanto mais eu vou seguindo, mais me sinto perguntando “o que está havendo?” Sinto muito. Eu realmente não alimento ideias retrospectivas sobre minha carreira e evito pensar em mim mesmo como um ator. Eu sinto como se cada experiência, cada projeto em si fosse uma vida diferente, como uma reencarnação. Por isso quando eu olho para um de meus filmes, eu não sinto que devo merecer crédito por ele, não consigo nem ser muito critico nem benevolente, por que trata-se de uma coisa inocente. É passado e eu não tenho nenhuma relação. Não posso ter crédito por que não era eu; eu me dei para uma outra vida e aquele personagem fez o resto. É ele quem está falando através de mim e não eu por ele.
P: Eu queria saber se você é capaz ou teve sucesso em manter-se dividido. Se em algum momento as duas partes (personagem e astro) emergiram juntas.
RP: Absolutamente, absolutamente. Quer dizer, eu entendo que é inerente a esse tipo de trabalho o status de celebridade, o status de estrela, seja lá o que for isso. Eu não sou um “performer”, não sou nem mesmo um ator. Eu me sinto mais como uma energia capaz de transformar qualquer coisa.
Continua...
Fonte: Revista SET, em novembro de 1993