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sábado, 28 de novembro de 2015

River Phoenix: A Última Entrevista (SET/1993) [Parte 2]




Por Jean-Paul Chaillet,

PARTE 2

P:  Mas você apreendeu alguma coisa com esse personagem (de Dark Blood), que nunca havia vivenciado antes?

RP:  Nunca fiz uma pesquisa tão profunda. De certa forma, fui educado dentro da era atômica e o que aconteceu nela sempre me interessou.  Sempre considerei  isso como “cuspir nos olhos do Senhor”... é uma maneira de falar. Como se o átomo fosse o derradeiro tabu. É como dizer dane-se – foda-se – para toda a criação, para tudo que permite que a vida exista. Romper um átomo é romper todas as regras, mas o tipo de pesquisa e a quantidade de informação que tive fizeram com que eu adquirisse um conhecimento mais profundo sobre esse tópico.

P:  Como um diretor reage quando você apresenta essa quantidade de pesquisa? Ou seja, existem os que ficam surpresos ou apavorados? Como Sam Shepard (com quem trabalhou em Silent Tongue) ou Gus Van Sant reagem? Quero saber se ficam surpresos, se te encorajam a fazer isso.

RP:  Bem, não é sempre que eu conto para eles. Acaba funcionando como uma espécie de subsidio.

P:  Porque... eu não sei se você assistiu a Kalifornia (com Brad Pitt e Juliete Lewis)...

RP: Não. Eu não assisto a filmes.

P:  Quero dizer, você começa a ver o desvio psicológico de certas pessoas e o que a sociedade pode fazer com elas, como os afeta. Mas até que ponto seu personagem é violento, como mergulha nesse lado.  Até onde vai?

RP:  Ele não é violento, apenas um absolutista e quando vê algo, caminha até o lugar e tudo que estiver no caminho tem que sair da frente. Ele vai pedir para que saia e, se isso não acontecer, cuidará de remover ele mesmo, para chegar onde precisa chegar porque, se não fizer isso, estará abandonando as suas convicções e a sua razão de viver.

P:  Como ele sobrevive no dia-a-dia?

RP:  Ratos, serpentes, água da chuva, qualquer coisinha que passe por ali, e ele beberá o seu sangue, ou aprenderá seu jogo ou...

P:  Você tem alguma aversão por essas coisas? Há uma cena em que você traz amarrados vários ratos e cobras e você está pisando em...

RP:  Se eu tenho aversão ou se o personagem tem aversão? Se eu tenho  aversão a alguma coisa? Bem, como eu não vivo da terra, com eu não estou na cadeia natural de alimentação, eu não me sinto no direito de tirar a alma de qualquer coisa viva. Acho presunção pensarmos que temos esse direito; que eu tenha, pelo menos.



P: Você é vegetariano?

RP:  O que isso significa exatamente?

P: Você não come carne vermelha ou frango?

RP:  Eu não como nenhum animal. É duro para mim ir a um supermercado e comprar alguma coisa que eu não tenha matado. Se eu vivesse no Alasca, estaria comendo peixe; mas eu não vivo lá.

P:  Você está satisfeito por ser ator? Trata-se de algo em que você pensa? O que vem primeiro é o prazer, a pesquisa, o processo intelectual?

RP:  Bem, quando você olha a galeria de personagens, de filmes, ou de qualquer outro meio de expressão, nota que existem buracos e elos perdidos e aquilo que eu mais gostaria de fazer e aquilo que eu não sou capaz de fazer é a combinação ideal.  Embora seja difícil fazer qualquer coisa que seja efetiva nesse sentido, meu objetivo é falar por esses personagens que ainda não foram interpretados.  Existem bolsões no tempo que ainda não foram identificados.  Existe a gravidade que ainda não entendemos completamente e cada pequeno avanço que fazemos, seja na ciência, na matemática ou psicologia humana, nos aproximamos de um quadro cada vez maior.  Acredito que exista uma quantidade enorme de ideias e de personagens que ainda não tiveram voz.  Se eu puder ser essa voz, ficarei feliz. Essa é  concepção que eu possuo do prazer, a oportunidade de chegar a algo que nunca foi alcançado anteriormente, conseguir isso, não para ser original ou para ser o primeiro. Mas por que é preciso ir cada vez mais longe,cobrir um terreno sempre maior.

P:  E está cada vez mais difícil encontrar esse tipo de proposta a que você se refere, não?

RP:  Bem, eu posso repetir o mesmo papel várias vezes e fazê-lo de milhões de maneiras diferentes.  É infinito. Assim como existem incontáveis átomos no meu corpo, tantos são os personagens a serem interpretados.

P: Você se sente satisfeito com o trabalho de ator que vem realizando? Você o considera representativo?

RP:  Honestamente, eu não raciocino sob o ponto de vista de carreira e quanto mais eu vou seguindo, mais me sinto perguntando “o que está havendo?” Sinto muito. Eu realmente não alimento ideias retrospectivas sobre minha carreira e evito  pensar em mim mesmo como um ator.  Eu sinto como se cada experiência, cada projeto em si fosse  uma vida diferente, como uma reencarnação. Por isso quando eu olho para um de meus filmes, eu não sinto que devo merecer crédito por ele, não consigo nem ser muito critico nem benevolente, por que trata-se de uma coisa inocente.  É passado e eu não tenho nenhuma relação. Não posso ter crédito por que não era eu; eu me dei para uma outra vida e aquele personagem fez o resto. É ele quem está falando através de mim e não eu por ele.

P:  Eu queria saber se você é capaz ou teve sucesso em manter-se dividido.  Se em algum momento as duas partes (personagem e astro) emergiram juntas.

RP:  Absolutamente, absolutamente. Quer dizer, eu entendo que é inerente a esse tipo de trabalho o status de celebridade, o status de estrela, seja lá o que for isso.  Eu não sou um “performer”, não sou nem mesmo um ator. Eu me sinto mais como uma energia capaz de transformar qualquer coisa.
 
Continua...


Fonte: Revista SET, em novembro de 1993

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

River Phoenix: A Última Entrevista (SET/1993) [Parte 1]


Esta entrevista foi feita no set de filmagem de "Dark Blood", de George Sluizer, em 19 de outubro de 1993, em Utah.  Quando River Phoenix faleceu, pouco menos de duas semanas depois, o filme estava incompleto e, com a sua morte, foi cancelado. Nesta conversa com o correspondente da revista francesa Première em Los Angeles, o ator inicia com a seguinte frase: “Na verdade, eu não gosto de dar entrevistas, a não ser a trabalho”. Apesar disso, falou compulsivamente, e, tropeçando nas ideias, revelou seu lado místico, suas impressões sobre o mundo e seus sentimentos em relação à carreira de ator. Premonitoriamente, ao falar do seu trabalho seguinte, "Entrevista com o Vampiro", Phoenix disse que não o sentia como um filme no qual iria participar.  A seguir, a ultima entrevista do ator, publicada com exclusividade por SET.

* Agradecimento especial a Whether Phoenix, que me enviou a entrevista (que só tenho no meu exemplar da revista) neste formato! Valeu!
 


Por Jean-Paul Chaillet,

PARTE 1

P: O que mais o atraiu em Dark Blood?
 .
RP: Acho que o que mais me envolveu nesse script  foi a história do homem branco trazendo a sua assim chamada, civilização, para uma terra virgem, o processo de adulteração.  O que é o progresso e o que é a quebra de átomos, essa encruzilhada... Foi muito simbólico para a América, sabe, ser a primeira a... você sabe, a explosão nuclear.

P:  Onde foi?

RP:  Em Los Alamos, Novo México, e é uma das coisas mais interessantes... Eu li "American Ground Zero", o livro que justifica isso. Tudo bem. Eles iam esperar que o vento soprasse em direção de Utah, onde estamos agora, iniciando testes nucleares à noite.  É impressionante quando você vai pesquisar isso tudo. George (Sluizer, o diretor) encontrou um monte de questões interessantes. Mas a principal razão que me levou a trabalhar nesse filme foi por que eu senti que era um aspecto importante do debate.

P:  Você ainda é relativamente muito novo, 23 anos... Mas seus filmes A costa do Mosquito, Quebra de Sigilo, O Peso de Um Passado lidam com temas sociais ou políticos e procuram passar uma mensagem. Você se vê como um ator que tem interesses mais profundos?

RP:  Eu não acredito que exista alguma regra a priori. Eu chego aos assuntos através do que vou lendo, e quando sinto que podem dar um bom script, isso me inspira. Escolho pelo que leio. É uma seleção individual.

P:  Alguns atores da sua geração (detesto dizer isso) fizeram filmes apenas de apelo comercial, que renderam boa bilheteria.  Suas escolhas parecem estar bem longe disso.

RP:  Eu acredito que muitos dos filmes poderiam ter sido um grande sucesso... se eu não estivesse neles. E eu arruinei aqueles que poderiam ter feito uma boa carreira.



 
P:  Eu quero dizer que eles fizeram filmes de apelo adolescente ou algo nessa linha.

RP:  Bem, eu fiz um filme chamado A Thing Galled Love (“Um Sonho, Dois Amores”, dirigido por Peter Bogdanovich). O filme era para ser um grande estouro, aquela visão caipira orgulhosa, aquele country genuinamente norte-americano; mas por causa da minha influência, do meu trabalho, da reestruturação dos diálogos, das pessoas que eu trouxe para o filme... – a música, o produtor, assim como outros aspectos... Você sabe, Dermot Mulroney e Antony Clark (que interpretam os personagens Kyle Davidson e Billy, respectivamente) mudaram o filme drasticamente. A Paramount não está muito feliz comigo por que a coisa toda seria um sucesso ao invés de um drama intimista. Não é o melhor script de todos, mas eu tinha visto alguma coisa nele e portanto dei duro, procurei torná-lo uma historia com personagens e não algo vago.
 
P:  Sua personagem no filme atual (Dark Blood) é um tipo solitário. Como você o descreveria?

RP:  Como uma pessoa que é minimalista e busca refugio em espaços abertos. Ele tem uma visão limitada do mundo.

P:  Ele é místico? Tem uma visão mística?

RP:  Bem, ele foi apanhado pela cultura nativa norte-americana, pela população indígena, é conseguiu passar por provas, tornando-se um irmão de sangue, em essência, adotando suas crenças, apreendendo o segredo sagrado da fabricação de bonecas, o que é especial, pois não se permite que homens brancos façam Kachinas. É um segredo tribal muito bem guardado, mas que lhe foi revelado por que ele havia passado pelas provas e seus únicos amigos eram os índios ali da terra e –  eu acho  que ele sentia a injustiça na pele, aquilo tudo que as populações nativas haviam passado, toda a exploração e agora esses testes nucleares contra uma população que não tem a menor ideia do que era energia nuclear e muito menos suas consequências. Isso o fez rebelar-se contra  o governo, toda essa injustiça.

P:  Mas tudo isso estava no script ou foi você quem sugeriu e discutiu e...

RP:  Bem, quero dizer, todo esse background que eu te mostrei eu havia escrito e – bem, é algo que você não vê no filme, mas foi de onde parti para melhor descrever. Eu faço a biografia de cada personagem porque acho que é a única maneira para você se ater às referências dos personagens.

P:  Mas você costuma fazer isso com os papeis menores, como em Quebra de Sigilo?

RP:  Claro. Sempre.

P:  Você escreve tudo aquilo que vem com o personagem?

RP: Bem, eu escrevo um monte de coisas. Não esqueço o que penso. Tenho uma memória muito boa. Portanto, em alguns casos basta ficar lembrando e repetindo aquilo na cabeça como se estivesse lembrando-se da infância. Se você escreve muito sobre certos personagens, acaba ficando muito tediosos e impróprio. Em Garotos de Programa eu escrevi muito.

Continua...


Fonte: Revista SET, em novembro de 1993